Primeiros meses em Sydney: em busca de janelas para a alma






Estamos há pouco mais de dois meses em Sydney e já consegui encontrar dois refúgios para a alma. Sabem o que quero dizer com isso? Que, apesar da dureza da nova cidade e do estranhamento diante do jeito nada latino dos australianos, eu consegui mapear lugares perto da minha casa onde me sinto bem e feliz. Recomendo que todos os estrangeiros façam isso ao chegar num novo porto. Encontrar os lugares da alma.

Os meus, por enquanto, têm sido a Waverley Library e o Centennial Park. Uma biblioteca pública e um parque. Todos a no máximo 15 minutos da minha rua. Posso ir flanando, posso ir de bicicleta, posso simplesmente ir sem ter um objetivo pré-definido.

A biblioteca tem uma sessão de filmes clássicos que é incrível e uma área dedicada somente às crianças, com um belíssimo acervo de livros infantis, brinquedoteca e várias atividades lúdicas. É aqui que costumo escrever.



Descobri que eles têm uma prateleira só com livros em outros idiomas, como forma de trazer pertencimento às crianças estrangeiras que vivem por aqui. Ler em sua língua materna é extremamente acolhedor e importante.

A estante de Português é mirradinha, com poucos títulos, a maioria sendo de editoras de Portugal. Decidi que vou me organizar para doar livros de autores brasileiros que eu amo e que gostaria que as crianças aqui conhecessem. Missão número 1: fortalecer a sessão de livros em Português da nossa biblioteca!

Quando não estamos por aqui ou pelos parquinhos da redondeza, nosso refúgio é o Centennial Park, um grande oásis no meio de Sydney. Gostamos de ir de bicicleta nos fins de semana, nós três, e sempre terminamos o passeio num dos diversos playgrounds localizados dentro do parque.

Nosso favorito é o Wild Play Garden. É o lugar ideal para crianças, já que elas têm ali muito espaço para correr e pular. Na plaquinha de entrada do parque, eles explicam que a proposta do jardim é expor os pequenos às maravilhas do mundo natural e dar a eles a chance de “correr riscos controlados”. É por meio da exploração do ambiente e da ajuda mútua que eles vão encontrar a saída, escalar pedras, subir na casa de árvore feita de bambu e por aí vai. Há um espaço para picnics e até um food truck vendendo lanches, café e sorvete. Meu menino tem muita energia e é muito físico. Então um espaço como este é perfeito para deixá-lo entretido e motivado.

O que percebo, nos meus momentos de flanar pelo parque, é que a essência do modo australiano de criar crianças pulsa a cada segundo. Os pequeninos estão soltos, brincando em contato com a natureza, e os pais os encorajam a serem mais destemidos. Qualquer gramado vira um potencial espaço de picnic, cheio de famílias e suas toalhinhas espalhadas.

Natureza, criança solta e família fazendo piquenique.

É outono e o sol não tem aparecido com tanta frequência. O vento, onipresente em Sydney, é quase polar. Enquanto eu quase congelo, os australianos combinam tranquilamente casacos e chinelos. Sim, eles conseguem usar Havaianas no frio! E short! Deve ser a proximidade com o mar que dá a um povo toda uma relação diferente com a exposição corporal.

Bom, eu nada entendo de proximidade com o mar – sou de dentro de dentro de dentro de dentro: Brasília. Portanto sigo me empacotando toda, o que me torna ainda mais notadamente estrangeira.

Alcanço cada vez mais camadas da cidade. Mas a falta desse espírito de “fazer festinha” dos australianos ainda me arranha. Talvez por isso eu me desse bem com os filipinos, os latinos da Ásia.

Na busca por pertencer, me matriculei numa oficina de teatro com ênfase no teatro físico, com seus jogos e improvisos. Afinal, é assim que estou: um corpo, num novo espaço, respondendo aos estímulos novos que me atravessam. Quem sabe o teatro não ajude a amarrar ou elaborar todas essas vivências?



O desafio tem sido estar inteira diante da minha escolha de estar aqui. Estar forte, estar viva.

A cada dia buscando os espaços de fazer sentido.

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