A arte de lidar com as birras sem enlouquecer

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Hoje vou escrever de forma mais objetiva, porque estou aproveitando uma janela de 30 minutos antes de buscar o Lipe na escola. Se tem uma coisa que tenho aprendido é que, na maternidade, não dá para ficar esperando o momento ideal em que vamos ter tempo para sentar e escrever e ter aquela inspiração soprada pelas musas.

Os tempos de mergulho ficaram mais distantes e agora é tempo de encaixes. Encaixar meus projetos nos interlúdios da rotina, que agora não gira mais em torno de mim. Aceitar isso de verdade ajuda a evitar frustração. Materializar o espírito. Trazer o balão para a terra. Ancorar no aqui e agora.

Meu aqui e agora, no caso, é cuidar da casa sem ajuda alguma e lidar com as particularidades de uma criança de 3 anos, naquela fase que, em inglês, costuma ser conhecida como a fase dos “threenagers”. Sim, eles são meio adolescentes. De repente, seu bebê vira uma criança cheia de quereres e desejo de te desafiar. Manja rebeldia? É bem por aí. 

Você dá a blusa verde e eles dizem: “Não quero verde!”. Aí você dá a azul e eles dizem: “Não! Quero a verde!”. Parece que o barato é ser do contra. Exige muita paciência, mas penso que é um momento muito importante de afirmação como indivíduo. A criança se percebe como um ser descolado da mãe, que pode ter desejos e expressá-los. É tempo de exercitar o posicionamento, a capacidade de negociação e de conseguir o que quer. E, acreditem, eles vão tentar conseguir o que querem a q-u-a-l-q-u-e-r  preço.

Em geral, o preço é nosso equilíbrio mesmo. Até um monge zazen perderia as estribeiras diante de um threenager. É normal sair do sério quando a vida vira um eterno cabo de guerra. E é bem essa a sensação quando temos de negociar a cada pequena ação de um longo dia. Às vezes estamos exaustos e parece que não sobra energia para travar uma batalha sobre, por exemplo, comer ou não comer brócolis. Ou arrumar os brinquedos. Ou vestir um casaco porque está frio.

A palavra que eles mais falam parece ser "não".

Muitas vezes eu tive vontade de sentar no chão e chorar junto, juro. Aqui em casa, essa fase ganhou contornos ainda mais dramáticos porque coincidiu com a nossa mudança das Filipinas para a Austrália. A perda do referencial - afetivo e físico - deu uma uma boa balançada no Lipe, que começou a carregar nas tintas das birras e negativas a cada comando meu. Para completar, ele passou a demonstrar alguns sinais de agressividade, como jogar os brinquedos no chão ou mesmo em mim. Até um dia em que ele veio me bater e disse: "eu estou bravo!".

Resolvi procurar ajuda de uma psicóloga e acabei descobrindo uma clínica incrível aqui em Sydney. Logo na primeira sessão, ela me falou que essa era uma reação natural diante de uma mudança tão recente. O nosso maior desafio seria, portanto, ajustar o botão do que é aceitável e do que não é.

Em geral, os problemas de comportamento são ligados a ações dos pais e das crianças que se retroalimentam. É preciso, então, olhar o sistema. Isso significa fazer uma profunda observação de como VOCÊ está agindo com seu filho.

Você reclama que ele dá birra, mas acaba oferecendo uma recompensa para um mau comportamento? Super comum. O exemplo clássico é o piti no supermercado. Você diz que não vai comprar chocolate, o menino faz o apocalipse zumbi e, no desespero, você acaba comprando só para o escândalo parar. Cena familiar para muita gente, aposto. Eu já fui essa mãe aí por muitas vezes.

Outro exemplo: você pede para a criança fazer determinada coisa, ela se nega, você pede novamente, ela recusa de novo, você aumenta o tom de voz, ela aumenta também, você vai ficando nervosa, ela também, até que está todo mundo estressado por uma tarefa mega simples.

Isso se chama escalada de nervosismo. É o que precisamos evitar a todo custo. Assim como eles, nós precisamos aprender a controlar nossas respostas emocionais. 

O que fazer, então? Foram várias as dicas da psicóloga, mas vou tentar resumir aqui:


1) Não seja nem muito permissiva nem muito rígida. As crianças precisam de limites, mas também precisam ter liberdade para explorar o mundo. As fronteiras não devem ser ausentes a ponto da criança ficar solta sem referenciais, mas também não devem ser muitas a ponto de travar a curiosidade e o desenvolvimento sadio.

2) Mantenha a calma. Você deve ser o "chefe". Isso significa empoderar-se dessa autoridade. Não significa ter uma relação de pouca empatia, mandona, distante, nada disso. Significa apenas que você deve entender que a última palavra deve ser sua, a menos que você ache que vale a pena ceder porque a opção que a criança deu é realmente melhor. Ceder por desespero é o que não podemos fazer.

3) Evite a escalada de nervosismo. Se a criança se negar a seguir um comando, peça novamente de forma firme e calma. Caso ela insista em desobedecer, diga qual será a consequência caso ela não faça o que você pediu. Se ela obedecer, elogie. Se não obedecer, cumpra a punição.

4) Estabeleça consequências realistas. Nada de dizer que vai chamar o Homem do Saco ou que vai doar todos os brinquedos da criança ou qualquer outra coisa que você não vai fazer. Estabeleça punições factíveis e só as verbalize caso possa cumprir. Exemplo de consequência eficaz: se você não colocar os brinquedos na caixa, você vai ficar sem a sua bicicleta até amanhã. Não é para sempre. Não é algo impossível. Fale e cumpra.

5) Formalize regras para a casa. Escolha três ou quatro atitudes que são inadmissíveis. Explique para o seu filho que, quanto a essas regras, não há negociação. Quebrou a regra, castigo imediato. Aqui em casa, escrevemos juntos as regras numa folha de papel e colocamos na porta da geladeira, na altura do Lipe. São quatro pontos: não bater, não jogar brinquedos, não subir na mesa, não gritar.

Regras que escrevemos juntos, para fixar.

6) Coloque de castigo se as regras principais forem quebradas. O castigo é importante, não se culpe por isso. NADA DE CASTIGO CORPORAL, POR FAVOR. Eu sou totalmente contra, não importa a situação. O que eu sugiro é deixar bem claro para a criança que, quando ela faz coisas que são muito graves, ela vai direto para o quarto para pensar no que fez de errado. Muitas pessoas chamam isso de "cantinho do pensamento". Eu acho um bom nome. Não precisa ser o quarto necessariamente, mas acho que deve ser um ambiente seguro para a criança onde ela pode ter sua descarga emocional até se acalmar.

7) Seja consistente. Não adiante reagir de forma incisiva num dia e, no outro, deixar o mesmíssimo comportamento passar. Isso confunde a criança. "Como assim num dia eu posso fazer isso e no outro não posso?". Se você mudar de ideia, e isso é ok, acho que vale explicar porque é que você está deixando passar tal coisa em determinado momento. Comunicação é tudo.

8) Quando a criança estiver se jogando no chão, esperneando e gritando, simplesmente espere passar. Não adianta querer negociar/argumentar/buscar entendimento no momento da catarse. Simplesmente porque é um momento que não é mais racional. A criança não está mais te ouvindo. Devemos agir antes para evitar que chegue a esse ponto. Esse é o grande desafio.

9) Crie uma rotina para a criança e comunique tudo a ela com antecedência. Imagine que você está brincando e alguém vira para você do nada e fala: "agora guarda seu sapato". O exemplo é meio ruim, mas quero dizer que são comandos que pegam a criança de surpresa. Isso pode gerar uma constante ansiedade. Então uma forma interessante pode ser falar assim: "Olha, quando chegarmos em casa, você vai guardar seu sapato, organizar sua mochila e tomar banho com a mamãe enquanto o papai prepara o jantar. Depois vamos tomar mamadeira, escovar os dentes, ler uma história e dormir".   É uma atitude simples, mas que denota consideração pela criança como um indivíduo que participa ativamente da dinâmica da casa. É diferente de ficar que nem uma biruta de aeroporto, sendo levada pelo vento para lá e para cá.

10) Mostre empatia pelo que as crianças estão sentindo. "Eu sei que você está chateado porque quer levar o brinquedo para a escola, eu sei que o brinquedo é muito legal e você está muito empolgado para brincar com ele, mas pode ser que você perca na escola. Então é mais seguro deixarmos em casa". Pode parecer bobo, mas se sentir emocionalmente acolhido é muito importante.

11) Elogie sempre os bons comportamentos. Muitas vezes ficamos com o foco somente no que não é feito. Esteja atenta aos progressos do seu filho e elogie sempre que possível. Invista no reforço positivo e você vai ver a diferença!

Aqui deixo o link de um vídeo bem interessante que trabalha a ideia dos pais atuarem como emotional coaches. Técnicos de emoções. Porque é isso que somos, afinal. É nosso papel ajudar os pequenos na travessia do turbilhão de sentimentos.

Keep calm and força na peruca!